quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Lentidão da Justiça beneficia mega-assaltante e ameaça sociedade

Líder de quadrilha de roubo a banco que usava até fuzil antiaéreo é solto porque prisão cautelar extrapolou 120 dias
CLAUDIO MAIA DOS SANTOS
Segundo o MP, Gordo teria liderado mais de 30 roubos a banco e carros-fortes

A soltura do líder de uma das mais violentas quadrilhas de roubo a banco e carros-fortes do país traduz a morosidade e a desorganização do Poder Judiciário brasileiro e ameaça a segurança da sociedade. É o que dizem especialistas. Também conhecido como Gordo, Cláudio Maia dos Santos, 39 anos, foi libertado na semana passada por ordem do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Gordo aguardava julgamento na Penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH. Foi solto porque a prisão cautelar não pode extrapolar 120 dias. Ele estava encarcerado há mais de um ano.

Para o procurador de Justiça André Estêvão Ubaldino, que esteve à frente do caso, a liberdade do mega-assaltante de bancos representa um risco às pessoas de bem. “Trata-se de um homem ligado profissionalmente à prática de crimes violentos, que não tem outra opção de vida, a não ser voltar a roubar e matar, se preciso”, diz.

Segundo ele, pequenas falhas em processos criminais podem levar à soltura de bandidos de alta periculosidade. “Um equívoco cometido em qualquer fase do processo pode deixar a sociedade desprotegida”, esclarece Ubaldino, que se diz frustrado com a situação. De acordo com o procurador, o Poder Judiciário brasileiro precisa se aperfeiçoar para evitar erros.

Os roubos praticados pela quadrilha aconteceram entre 1990 e 2005. Na época, ficaram conhecidos como “Novo Cangaço” devido à truculência dos assaltantes. Eles cercavam os alvos e os alvejavam com metralhadoras e fuzis antiaéreos.

Para o psiquiatra e psicanalista Marco Aurélio Baggio, a liberação de um bandido violento gera o aumento da sensação de insegurança no cidadão comum. “Vivemos em uma sociedade irresponsável, que não protege quem é correto e decente”, sentencia Baggio. Ele acrescenta que há o assalto a mão armada e também “com a caneta”, que seriam os crimes de “colarinho branco”. “Há brandura com os bandidos e a violência sempre prospera”.

O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Adilson Rocha, considera que algo extremamente grave aconteceu para que Gordo fosse liberado. “O TJMG é severo e rigoroso na análise de liberação ou concessão de alvará de soltura em casos de roubo, tráfico de drogas e estupro”, afirma.

De acordo com o especialista, mais de 70% das pessoas presas provisoriamente no Estado, hoje, cometeram um dos três tipos de crime. Entre os possíveis erros levantados pelo advogado para a libertação do assaltante estão a demora na apuração de provas contra o denunciado, o flagrante ilegal de provas e a frágil comprovação de envolvimento de Gordo nos delitos dos quais é acusado.

Na avaliação do pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da UFMG, sociólogo Robson Sávio, o sistema de Justiça lento e burocrático contribui para o aumento da violência.

“Quando a sociedade vê um criminoso sendo beneficiado, passa a não acreditar na Justiça. Além disso, a sensação de impunidade poder gerar mais violência, pois as pessoas entendem que podem fazer Justiça com as próprias mãos”, adverte.

Caso é complexo, alega Tribunal


O habeas corpus concedido a Cláudio Maia dos Santos, o Gordo, foi julgado na 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) em 3 de fevereiro deste ano. No dia seguinte, o alvará de soltura foi expedido. Três desembargadores analisaram o pedido de liberdade: o relator Duarte de Paula e dois auxiliares, Marcílio Eustáquio Santos e Cássio Salomé.

Os desembargadores concederam habeas corpus considerando que houve constrangimento ilegal, pois o réu está preso preventivamente desde dezembro de 2009. A prisão cautelar não pode ultrapassar 120 dias, segundo a legislação. Apesar da prisão ter acontecido em São Paulo, o processo corre em Varginha, no Sul de Minas, onde houve um roubo a carro-forte.

Conforme o TJMG, a instrução criminal – fase em que acusados e testemunhas prestam depoimento – ainda não foi concluída por incidentes que fogem ao controle do juiz, pois trata-se de um caso complexo, envolvendo muitos réus. Alguns estão presos em outros estados.

Além disso, o grande número de diligências para intimação e a expedição de cartas precatórias – mecanismo para coleta de informações de presos que, por estarem em outras localidades, não ficam frente a frente com o juiz – teriam impedido a conclusão da instrução criminal no prazo.

A nota do TJMG esclarece que assim que a instrução criminal for concluída, a prisão do réu pode ser decretada novamente. Caso haja algum fato novo, o promotor de Justiça também pode pedir que o réu volte para trás das grades.

No texto, o desembargador Duarte de Paula alega que a própria defesa “tumultuou” o andamento da instrução criminal ao requerer novo advogado. Outros entraves que teriam levado à demora nesta etapa seriam o adiamento de audiências e a existência de cartas precatórias expedidas para oitiva de testemunhas em Contagem, Belo Horizonte e Três Corações, entre outros fatores. Não há previsão para o encerramento da instrução.

Segundo o TJMG, Gordo apresentou certidão de antecedentes criminais provando ser réu primário e documentos que atestavam que ele tinha residência fixa e exercia atividade lícita na época da prisão.

A Procuradoria Geral de Justiça deu parecer favorável à soltura do réu. O acusado foi representado pela advogada de defesa Rita de Cássia Levi Machado.

Gordo foi capturado em São Paulo na Operação Barret, uma referência à metralhadora antiaérea utilizada pelo grupo nas ações.

História lembra “carreira” de bandido dos EUA


A trajetória de Cláudio Maia dos Santos, o Gordo, lembra, em muitos aspectos, a vida do assaltante de bancos norte-americano John Herbert Dillinger, morto em 1934, aos 31 anos.

Apontado pelo Ministério Público como líder de uma quadrilha responsável por pelo menos 30 roubos em estados do Nordeste, em Minas Gerais e em São Paulo, Gordo também é acusado de contrabando de armas de uso exclusivo das forças policiais.

Já o criminoso dos Estados Unidos era considerado por alguns como um bandido perigoso. Por outros, era idolatrado, visto como uma espécie de “Robin Hood” do século XX. Dillinger só roubava bancos, e muitos norte-americanos culpavam as instituições financeiras pela depressão dos anos 1930.

O ladrão ganhou o apelido de “Jackrabbit” por suas fugas da polícia e rapidez nos assaltos. Jornais o retratavam como uma figura atlética e um bom jogador de beisebol na prisão. Dillinger ficou na Cadeia de Indiana até 1933, quando foi solto por liberdade condicional.

Ações criativas deram fama internacional a assaltante


Mas o maior motivo para a fama dele era a criatividade nos roubos. Em pelo menos duas ocasiões, em Indiana e Ohio, Dillinger se disfarçou de vendedor de alarmes de segurança. Em outra investida, entrou na agência acompanhado de toda a gangue, que se passou por uma companhia cinematográfica que queria encenar um assalto. Ao longo da “carreira”, a quadrilha teria levado cerca de 300 mil dólares – o equivalente a 5 milhões de dólares atualmente – de dezenas de bancos.

O bandido morreu em 1934, baleado por policiais quando saía de uma sessão de cinema ao lado da namorada e de uma amiga. Sua vida foi retratada em documentários e suas ações inspiraram filmes de Hollywood – o último deles, Inimigos Públicos, de 2009, protagonizado por Johnny Depp.



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